Portinari

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Gol da bola
Uma vez, num campeonato brasileiro sei qual, o zagueiro, do Inter, Wilson, de centroavante, não tocou na bola. Estava no lance, no primeiro pau, mas um segundo depois. Foi uma bola rasa, a do cruzamento do Fernandão. Passou intacta por seis pernas. Os narradores gritaram gol! Na ânsia de nomearem o responsável, escolheram o Wilson. Não foi. Nem Fernandão, mesmo que a única e última gota de sêmen na esfera fosse da chuteira dele.
Às vezes, quando alguém cruza ou lança uma bola para a grande área perde a autoria do que acontecerá. É uma tarefa que se subordina ao destino. É uma antecedência. É um serviço. Tem a latência do devenir, mas seu caracter é de passe. Não concede autoria, mesmo se a bola for parar no fundo do gol. É do jogo. É gol da bola. Nesse lance acima, a vocação da bola era de ser um cruzamento para o resto da sua vida. No meio do caminho, autônoma, resolveu ser protagonista. Todo o dia, toda a noite acontece uma destas. Ninguém quer se ater. Acham menor. Eu não. Foi assim que o Inter empatou aquele jogo contra o Flamengo. Com um gol da bola.
Pode o leitor assaltar esta exposição com a palavra assistência. Nalguns palcos do futebol contabilizam esta rubrica. Fulano: tantos chutes, tantas assistências. Vem do basquete. Mas o fundamento da assistência é de outra ordem. Ela é cúmplice do lance cabal. Aí sim, a co-autoria é legitimada: uma “metida”, uma tabela, um passe “milimétrico”.Tá! É só fazer “diz o mentor momentos antes do companheiro finalizar o intento. Este então, se não culminar, estará condenado. Um passe açucarado, uma papa, uma papinha é propor uma delicadeza ao companheiro. O jogador da” assistência “, não se enganem, goza, como se fosse um gol a benevolência concedida”. Valdomiro fazia isso para o Claudiomiro entrar de peixinho no primeiro pau. Rivelino, Bráulio e Gerson, nem se fala. Ronaldinho, quando quer, fascina este último passe. Perdigão, eu falei Perdigão, idem. Meu irmão, Cezar dizia aos berros: Faz! Era pro cara não errar, ou melhor, para o cara se dar conta do esforço da antecedência.

4 comentários:

George Arrienti disse...

Olá, Nelson.
Jerônimo Jardim comentou sobre a inauguração do teu blogue.
Bem-vindo ao mundo dos blogueiros.
Abraço.

Luciene disse...

No meio do caminho sempre tem uma bola. Grande Nelson pegando ela de efeito! Eu não entendo nada de futebol, nem pretendo, mas vou passar para minhas amigas que só saem para a balada em dia de jogo, após o jogo! Bem natural!

Bebeto Alves disse...

Grande Nelson da bola, bom de bola, do texto driblador desconcertante, certeiro; do texto que antecede, que passa a sabedoria, a certeza do seu gol - e o que vale é o gol - seja no pé de quem dá a idéia, ou de quem faz balançar a rede.
Fala ai grande armador!
Seja bem vindo! A gente merece!
A Torcida.

Suzi disse...

Oi querido Nelson,
Seja bem vindo ao mundo do Blog, com este texto de estréia, maravilhoso e viajante.
Um beijo.
Suzi